segunda-feira, janeiro 29, 2007

suceder II


Caminha por duas quadras reaprendendo a respirar. Segura o coração entre as mãos para acalmá-lo. Nem sempre dá certo, mas ela tenta. Chega em casa, abre a janela, se perde em meio ao azul tão escuro da noite que ainda não chegou inteira, mas vai. Tem festa de aniversário na sala e ela fica lá por cinco minutos, sorrindo. As duas crianças e o pai delas vão embora, e ela resta novamente (quase) inteiramente só. Procura entre os livros algo que lhe explique o inominável, mas não encontra. Procura entre as músicas aquela que possa promover a catarse, mas naquele momento catarse é palavra que não existe, e nem cabe. Olha ao redor e assiste em rodopios a cenas e frases que passam rápidas e derradeiras como um vendaval súbito. Troca pela milésima vez as fotos do mural. Senta na cama, pensa em dormir, mas não há sono. Prende os cabelos e caminha pela casa de pés descalços, mas não há terra embaixo, só o quarto do vizinho que não entenderia sua necessidade pueril de caminhar na grama úmida. Procura fotos e postais antigos. Assiste a si mesma sorrindo deslumbrada de fraldas e sapatinho. Procura em si aquela sombra de cólera ou alegria inundante que sempre chega em momentos de suspensão como esse, mas não há, só uma sensação calma e ininterrupta como nascente de rio. Pergunta então qual é a decisão, e descobre que não há decisão, tudo já está decidido desde o início dos tempos, e que não há objeções a fazer ao inexorável que permeia todas as coisas. Vai novamente até a janela e descobre que a noite já canta seus grilos e mostra suas estrelas. De hoje em diante, pensa, não brigarei nunca mais com meus abraços.