sexta-feira, agosto 04, 2006

ela


Era de dimensões grandiosas na sua pequenice de menininha espalhada em longas tranças de indiazinha e grandes olhos escuros atentando sempre para o mundo e algo além do que se podia enxergar a olho nu. Era grande no seu amor pelo mundo – as possibilidades de mundo que avistava a partir de si mesma todos os dias quando arregalava os olhos muito muito para conseguir ver melhor o céu mudando tão rapidamente de cor que quando conseguia dar nome a uma ela tinha subitamente se transformado em outra e assim ela sentia o coração pulular, ela não sabia ainda mas isso que pululava dentro dela como gatinho feliz era felicidade crianceira, dessas que são poucas as pessoas que em adultas conseguem repetir. Era de pele moreninha e boa de dar beijinhos e a cada vez que se encantava com algo o mundo inteiro se enchia de amor e em algum lugar alguém de súbito entendia "sim, é tempo de lua clara e de morangos". Era de mãozinhas bonitas e dedos longos e gostava de acarinhar coisas para compreender melhor seus desenhos. Era de uma certa gagueira de pensar e se atrapalhava ao falar palavras bonitas, essas que ela procurava soltas pelas conversas alheias, mas a cada vez que começava a contar das suas coisas o mundo se enchia inteiro de inesperadas bonitezas. Era doce irritadiça e linda, e nascera em mim nos primeiros cheiros de uma manhã de outono em que acordei em estado de graça depois de tê-la conhecido em sonho. Desde então ela me chegava todos os finais de tarde, me olhava sorrindo seu sorriso de menininha e dizia sim mamãe, eu já existo, eu existo desde sempre, deitava sua cabeça em meu colo e se deixava ninar. A minha menininha dos olhos.