quarta-feira, fevereiro 08, 2006

Dentro do meu coração mora um gatinho, era o que ela repetia em sorrisos todas as vezes em que ele não entendia suas mudanças súbitas de direção, ou seus repentes de estranheza ou mesmo seu olhar perdido e blasé para o ontem. Dentro do meu coração mora um gatinho e ele bate com as almofadinhas pelas bordas a cada vez que vê algo desconhecido e se arrepia até os bigodes quando se assusta. Dentro do meu coração mora um gatinho e ele vive de caçar borboletas e fazê-las dançar entre suas patinhas para cima e para baixo para cima e para baixo para cima e para baixo até cansar da novidade e preparar-se para o momento logo em seguida ao da próxima descoberta. Dentro do meu coração mora um gatinho e ele se espraia como um deserto e descabela os pêlos da barriga quando se sente feliz feliz. Dentro do meu coração mora um gatinho e ele fulmina seu olhar de tédio que faz parar por alguns segundos o fluxo do sangue no meu coração. Dentro do meu coração mora um gatinho e ele não admite cafuné pela metade, pessoas espaçosas e falta de elegância. Dentro do meu coração mora um gatinho e ele é capaz de ficar noites acordado mirando um ponto fixo se acreditar que dali vai surgir algo que o fará ronronar inteiro de faceirice e boniteza. Dentro de mim mora um gatinho e ele dorme quentinho sempre que recebe por demais de amor, mas há de se entender os gatinhos, eles nunca deixam que se note que o amor é tanto, puro medo de um dia perceber que não têm mais, os gatinhos precisam um tanto imenso de amor para sobreviver. Dentro de mim mora um gatinho - era o que ela respondia todas as vezes em que o percebia escorregadio e atrapalhado consigo mesmo e mais ainda com ela - dentro de mim mora um gatinho e para ele a vida boa se resume simples assim: amor sem grito, carinho sem sufocar, ternura sem susto, espreguiçar o sono e um pouquinho de vento batendo nos bigodes todos os dias de manhã, de tarde, e nos momentos antes de dormir.