
Dentro do meu
coração mora um gatinho, era o que ela repetia em sorrisos todas as vezes em que ele não entendia suas mudanças súbitas de direção, ou seus repentes de estranheza ou mesmo seu olhar perdido e
blasé para o ontem. Dentro do meu coração mora um gatinho e ele bate com as almofadinhas pelas bordas a cada vez que vê algo desconhecido e se arrepia até os
bigodes quando se assusta. Dentro do meu coração mora um gatinho e ele vive de caçar
borboletas e fazê-las dançar entre suas
patinhas para cima e para baixo para cima e para baixo para cima e para baixo até cansar da novidade e preparar-se para o momento logo em seguida ao da próxima
descoberta. Dentro do meu coração mora um gatinho e ele se espraia como um deserto e descabela os pêlos da barriga quando se sente
feliz feliz. Dentro do meu coração mora um gatinho e ele fulmina seu olhar de
tédio que faz parar por alguns segundos o fluxo do sangue no meu coração. Dentro do meu coração mora um gatinho e ele não admite
cafuné pela metade, pessoas espaçosas e falta de
elegância. Dentro do meu coração mora um gatinho e ele é capaz de ficar
noites acordado mirando um ponto fixo se acreditar que dali vai surgir algo que o fará ronronar inteiro de
faceirice e boniteza. Dentro de mim mora um gatinho e ele dorme quentinho sempre que recebe por demais de amor, mas há de se entender os gatinhos, eles nunca deixam que se note que o
amor é tanto, puro medo de um dia perceber que não têm mais, os gatinhos precisam um tanto
imenso de amor para sobreviver. Dentro de mim mora um
gatinho - era o que ela respondia todas as vezes em que o percebia
escorregadio e
atrapalhado consigo mesmo e mais ainda com ela - dentro de
mim mora um gatinho e para ele a vida boa se resume
simples assim: amor sem
grito, carinho sem sufocar,
ternura sem susto, espreguiçar o sono e um pouquinho de vento batendo nos
bigodes todos os dias de manhã, de tarde, e nos momentos antes de dormir.
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