quarta-feira, fevereiro 15, 2006

da infância



Quando eu era criança eu tinha angústias intermináveis, para as quais nunca mais na vida encontrei parâmetro. Eu tinha angústia de ser, de estar, do que viria, eu tinha angústia com o simples fato de me observar fora de mim e me achar absolutamente estranha e meio deslocada de tudo. Eu tinha angústia das minhas pernas, dos meus olhos arregalados, do meu corpo que crescia e doía todas as noites. Eu fantasiava mundos e achava-os inatingíveis, eu imaginava belezas e temia nunca encontrá-las, eu abraçava minha mãe e ela dizia que a minha vida seria linda e eu acreditava mas logo em seguida não. Eu nunca tive amigos imaginários, mas filha única que era passava o tempo a tecer longos diálogos comigo mesma, sobre as pessoas, sobre o futuro, sobre mim mesma. Parece absurdo pensar que eu tivesse todas essas questões filosóficas tão cedo, mas era bem assim. Não que eu fosse precoce ou qualquer coisa de excepcional, eu era uma criança normal que tinha a peculiaridade de sentir em si todas as inquietações do mundo, como um grande filtro de hipersensibilidade que captava coisas que só em adulta eu iria entender de fato. Da infância, herdei o drama, a reação exagerada ao mundo, os ataques desmedidos de medo, mas também restou uma alegria infantil, um olhar afinado para o pequeno e belo, uma facilidade em admirar-se e rir até dar voltas em mim mesma e uma tendência à idolatria, ao amor extremado e às vertigens. Em dias como hoje, em que o mundo me apavora e tenho vontade de me aninhar em mim e fechar os olhos até inventar a calmaria, eu choro até virar criança, abro a janela e redescubro o sol e digo pra mim mesma “um dia você cresce e nada disso vai mais te assustar”, visto meu melhor sorriso, abro a porta e vou.