domingo, fevereiro 18, 2007

crazy cock

O sangue era potente, mágico, fecundo. O sangue era um êxtase de dor e de beleza, um milagre da destruição criativa, uma partícula da essência divina, talvez a própria essência. Onde o sangue fluía a vida era vigorosa. Onde havia canção, havia sangue, e onde havia adoração, havia sangue. Havia sangue no pôr-do-sol, nas flores do campo, nos olhos dos loucos e dos profetas, no brilho das pedras preciosas. Onde quer que houvesse vida e música e embriaguez e adoração e triunfo, havia sangue.


Porque Henry Miller é o cara.
E passos lentos dançando ao som dos chuviscos pra fazer desmanchar todas as fantasias desse atrapalhado carnaval.

quarta-feira, fevereiro 14, 2007

de (quase) tudo aquilo que sim e não

Evito colocar minhas vísceras à mostra: elas adoecem ao contato com o ar. Algumas pessoas têm em si a potência acumulada de um oceano inteiro virgem, mas transbordarão? Uvas são para mim uma importante fonte de inspiração e a noite passada eu sonhei que entrava no mar e ele era de água doce (acordei com pretensões psicanalíticas, mas não vingou). Amo com vertigens na corrente sangüínea, mas acho que não aprendi a (me) perdoar. Será possível reinventar a luminosidade de um mesmo sol? Leio livros com ritmo de obsessão, arranco deles alguma potência, sorrio o só riso roubado de alguns girassóis. Invento tangos ao redor da chuva, e guarda-chuvas que não sobrevivem em dias de sol. Tento acalmar meus olhos ao dormir, e subsisto tão somente porque existe a possibilidade do ontem. Ultimamente tenho tropeçado e alguns soluços me arrancam do carnaval que nunca existiu, enquanto tento moldar meu corpo à forma daquelas mesmas flores invisíveis, mas há inegável serenidade que nem sombra de impermanência traz aos espelhos. Invento vozes e falo em línguas que não existem, e deito ao final de tudo como se não houvesse no mundo travesseiros. Descubro no gato manias de velhinho, espalho as bonecas pelo quarto, suspiro alto e bem pausadamente enquanto digo coisas que não saberei repetir. Alice descobriu dia desses que tardes inteiras de vento fazem felicidade incomparável a um verão, mas que a ela ainda faltam muitos instantes sem pausa para a completude. Enquanto lá, bem ao longe do meu quintal inexistente, alguém aprende a tocar piano, tímido e sem verbos, bem assim:


quinta-feira, fevereiro 08, 2007

às vezes é como estar novamente em casa. e reconhecer as cores, os cheiros, o chão ao caminhar, embora todos os contornos sejam tão completamente novos. não ter medo de estar, de pertencer, de dizer que sim para tudo que já é tão conhecido, vivido, repetido. às vezes não. mas quase chega a valer o risco.

domingo, fevereiro 04, 2007

do diário de alice


Invento frases que não são minhas, escrever é um ato de amor. [Sim, deve ser possível reinventá-lo]. Adivinhar o cheiro da chuva, assistir ao nascimento de um primeiro relâmpago. Fui implicante com Anaïs, e hoje como castigo passei o dia apaixonada por ela, e por Henry, e por June, e tive vontade de inaugurar um diário. [escrever diários será um excessivo voltar-se em si?] O filme mais lindo que já vi na vida chama-se Beleza Roubada, e eu choro tanto com aquelas músicas. Houve um tempo em que eu gostava de sentar em frente ao rio e inventar ali o mar, sem nem precisar fechar os olhos. [Tenho um prazer secreto em observar pessoas tomando sorvete]. Descobri que da camélia nasce uma outra flor, linda e com jeito de inventada. [Procurar beleza no mundo nem sempre é tarefa fácil, mas algumas surgem sem precisar esforço]. Eu não falo muito de mim para os outros, mas quando escrevo só faço olhar pra mim mesma. [ainda assim é narcisismo? logo eu que tenho fobia de umbigo.] Domingos são silenciosos, e eu tenho gostado cada vez mais de estar em casa, sem tumultos música alta fumaça pessoas numa busca desesperada por afeto. Gostaria de dizer que fumei cigarros e bebi cerveja conversando sobre filosofia, mas a verdade é que alguém que diga uma bobagem tão grande que me faça rir me encanta mais do que qualquer brilhante citação. Tenho horror ao pedantismo, e aí me incluo particularmente. Mas eu falava que escrever é um ato de amor, e quanto ao amor não existirá no mundo alguém que cante mais lindo que Nina Simone. Diário de um dia só, e amanhã esqueço todas as promessas que hoje me fiz em silêncio. Mas o que imagino, à parte toda pretensa confissão, é que esta noite não haverá lua nem estrelas, e há muito que já não tenho mais medo dos temporais.