terça-feira, agosto 30, 2005

de amêndoas e flores silenciosas


Uma angústia que me velou o sono e que chegou de malas prontas ontem às sete horas da tarde.

E eu comecei a ler O amor nos tempos do cólera. Um pouco tarde pra começar a amar Gabriel García Márquez mas tudo na vida tem mesmo seu tempo certo.
Tudo.
Até mesmo o cheiro das amêndoas amargas.
E aquela flor em meio ao centro cujo nome eu nunca descobrirei.


quarta-feira, agosto 24, 2005

sobrenós



E eu tento esquecer de onde saiu o cd mesmo depois de ter tirado a etiqueta-personalizada-bonitinha-mas-ordinária que não deixava que ele - o cd - esquecesse de que mãos nasceu, mas o que eu posso fazer se a Beth Gibbons me arrepia me dá vontade de fechar os olhos me dá languidez no coração inteiro como se sussurrasse na minha nuca e eu não consigo nem mais ser implicante nem nada? Eu vou. Porque há uma semana eu ouço a mesma música todos os dias, sempre a mesma música repetidas e repetidas vezes todos os intermináveis dias e agora vem ela e me tira do transe e me dá vontade de.
E eu tento me convencer de que não sou eu, não sou eu a tristeza dos olhos alheios, e de que esse ano estranho vai resultar em algo fantástico, e de que em algum lugar desses por onde eu caminho em círculos sempre um pouco tonta tarde demais eu estarei escondida, olhos assustados e ansiosa por me rever e eu vou me olhar e me aninhar em mim mesma e eu direi: "então era aqui que você estava todo esse tempo" e eu me lembrarei de que eu não digo "você" e eu então perceberei que estou um tanto mudada, um tanto melancólica e com os olhos mais rasgados do que lembrava mas com uma pulsação no meio do estômago que nunca me abandona e que faz com que eu subitamente me reconheça e que me faz continuar caminhando mesmo quando o rio parece a alternativa mais suave, maternal e possível. E eu estarei ali, e aqui nesse momento não existe ordem lógica para fato algum e sairei na chuva aos gritos chamando por mim mesma porque eu sempre sonhei ser Audrey Hepburn naquela cena de Bonequinha de luxo em que ela chora linda na chuva procurando por seu gato mas aqui nesse momento não terá gatinho, nem tem espaço pra gatinho algum porque aqui nesse momento eu serei - seremos - a coisa mais importante que há no mundo todo e nós nos encontraremos e saberemos por onde ir, e seremos nós, e nunca mais nos desencontraremos e eu pedirei asilo a mim mesma e tudo vai fazer sentido, e terá trilha sonora e terá noite com sol e sol com chuva e terá estrelas despencando loucas do céu e as pessoas aplaudirão de suas janelas e nós seguiremos para sempre sempre caminhando sempre feliz sempre sorrindo sabendo onde exatamente é o lugar que.

segunda-feira, agosto 22, 2005

memoria de mis putas tristes


(...) Desde então a tive na memória com tamanha nitidez que fazia dela o que queria. Mudava a cor de seus olhos conforme o meu estado de ânimo: cor de água ao despertar, cor de açúcar queimado quando ria, cor de lume quando a contrariava. E a vestia para a idade e a condição que convinham às minhas mudanças de humor: noviça apaixonada aos vinte anos, puta de salão aos quarenta, rainha da Babilônia aos setenta, santa aos cem. Cantávamos duetos de amor de Puccini, boleros de Agustín Lara, tangos de Carlos Gardel, e comprovávamos uma vez mais que aqueles que não cantam não podem nem imaginar o que é a felicidade de cantar. Hoje sei que não foi uma alucinação, e sim o milagre a mais do primeiro amor da minha vida aos noventa anos.
García Márquez, Gabriel


Tenho que de algum modo expulsar de mim essa sensação cruel de que mesmo meu melhor nunca é, nunca foi, nunca será suficiente. Sempre falta. Sempre vai faltar.

quinta-feira, agosto 18, 2005

hoje à tarde


Mas não era desconsolo o que deixava inquietas as minhas mãos
Nem era tristeza o que apagava a luz dos meus olhos
e das pessoas que povoavam a sala
e as minhas lembranças
Era um céu cinza escurecido de susto
e a imagem dos prédios descascados
do centro
da
província
melancólica
E uma chuva grandalhona que se anunciava aos gritos
para o momento de logo depois
do cair da tarde


terça-feira, agosto 16, 2005

das borboletas,


Eu imaginava que o mundo visto de uma borboleta -
Seria, com certeza, um mundo livre aos poemas.
M.B.

Eu ontem vi um descampado imenso nos olhos de um menino ruivo
E depois um temporal de sonhos nos pés de uma bailarina
Eu ontem vi uma escadaria que terminava em porta nenhuma
E um vento circular que se eximia em bolhas
Eu tive um sono insone a noite passada
E acordei sonhando uma borboleta que tomava banho de mar.

domingo, agosto 14, 2005

Eu gosto de ver concertos de música clássica na televisão
mais do que no teatro
(perdoem-me a falta de erudição)
porque a coisa mais intrigante do mundo
são as expressões emocionadas
furiosas
descontroladas
apoteóticas
ou engraçadíssimas
do maestro.
E os movimentos do corpo:
alguns são quase bailarinos
outros parecem uma caixa de papelão
acionada por algum mecanismo eletrônico.
Agora, por exemplo
um bolero de ravel
e ele logo logo chora
ou sublima
ou explode no ar em milhões de purpurinas.


verdes anos

Festa boa e gente reunida.
Quatro horas da manhã
e ela só pensa em oxigênio,
em abrir as janelas
em respirar respirar respirar
ar puro
banho e cama fofa
e apagar todos os cigarros acesos
dentro daquele lugar
CLAUSTROFÓBICO.
Estou definitivamente velha
ou cada vez mais chata.
(Fora a dor no corpo de dançar.
Mas isso não conto que tenho vergonha.)


sexta-feira, agosto 12, 2005

una lettera




Trilha sonora: Exit music (for a film), Radiohead

A idéia era algo clique na imagem e ela apareceria grande na outra janela. Mas, como nem tudo que a gente sonha dá certo, por enquanto fica pra enfeite. Outra hora digito. Ou não. Ah, sei lá.

terça-feira, agosto 09, 2005

em tempo

Eu vi A Fantástica fábrica de chocolates e o filme é beeeeeem bom.
Fora o fato impressionante de que nessa província a ÚNICA versão legendada fica no shopping com a maior concentração de arrogantes por m² que eu conheço e que lá dentro a melhor coisa é imaginar todos os brincos de argola dourados que habitam determinadas mulheres sendo sugados para dentro do rio de chocolate.
Mas isso não vem ao caso.


one day


Um dia o André me contava que tinha ido a uma sessão de autográfos dele. E que tinha conseguido uma dedicatória, um autógrafo e um convite aceito para o orkut. E ele falava assim emocionado que a sensação era como ter conseguido um autógrafo de Clarice Lispector. Eu achei exagero e ri, boba que eu sou. Hoje, lendo o blog dele, eu fiquei envergonhada de mim, da minha cegueira e falta de fé. Porque a sensação vertiginosa, o aperto no coração, a vontade de chorar, a experiência abissal de estar diante de uma imensidão de lindeza eu senti poucas vezes na vida. Com poucos, raros escritores e veja bem, eu já fui bastante promíscua. Hoje, só cultuo dois deuses: Clarice Lispector e Manoel de Barros.
Mas aconteceu, pois, que hoje comecei a erguer lentamente mais um altar.
É dele.


sexta-feira, agosto 05, 2005

the blue violinist, 1947


Porque eu agora tenho o livro mais bonito do mundo e ele se chama Memórias Inventadas e ele é tão fantasticamente lindo que eu estremeci a primeira vez que o vi e estremeci de novo quando o ganhei e estremeço a cada vez que abro sua caixinha, desato o laço de fita oferecendo em presente suas folhas e passeio por suas memórias, uma a uma. E então que eu o copiarei descaramente e comprei postais do Chagall para começar a minha invenção que se chamará a pequena caixa dos milagres, e nela terá postais, muitos postais, do Chagall e do Hopper e do Klimt e das mulheres antigas e de cidades e de pessoas e de teclas de piano e bilhetes e trechos de cartas e iluminuras e poemas do Manoel de Barros e vertigens da Clarice e pedaços minúsculos do que houver de mais bonito em mim e eu abrirei minha pequena caixa dos milagres a cada vez que estiver precisando de um e nunca mais nunca mais nunca mais eu me sentirei irremediada porque estará ali, ao alcance das minhas mãos, e eu abrirei minha caixinha como quem enxerga por uma fresta do coração de alguém e espera desesperadamente encontrar algo que lhe possa salvar a alma e eu tirarei um milagre só para mim e ele terá a mais linda cor violeta a violeta que beira o abismo do azul e um homem tocando violino para um pássaro pousado no seu ombro e eu direi só mais um, por favor me dê mais um milagre, e a minha pequena caixa dos milagres me dirá só uso a palavra para compor meus silêncios e eu não precisarei de mais nenhuma explicação no mundo.
A vida é tão simples que eu assusto.