sexta-feira, fevereiro 25, 2005

dos filmes preferidos

Depois da lista dos filmes horrendos, lá no início dos tempos do blog, agora Alice mostra que é moça séria e faz a lista - a outra - dos filmes amados da vida.
E são esses:

Betty Blue
Eu tinha 15 anos quando vi esse filme pela primeira vez, cópia pirateada - o filme era uma raridade de se encontrar até alguns anos atrás.
Lembro de assistir quase sem piscar, num transe, encantada pela Beatrice Dale, arrebatada pela história de amor mais visceral e trágica que já vi no cinema. A trilha é algo de arrepiar a alma inteira, clássica clássica.
Há umas semanas atrás, vi um quadro do filme em promoção na Wall Street. Burra, não comprei. Otimista como sou, sei que nunca mais vou encontrar.

As Horas
Lembro até da cor do céu quando saí do cinema depois de assistir As Horas. E tenho presente a sensação de ter todo meu corpo inundado por aquele rio em que Virginia entra e que invade a cama do quarto de hotel em que a Juliane Moore se deita disposta a morrer. A trilha, do Philip Glass é de chorar um temporal. E meu amor pela Juliane Moore e seus silêncios geniais ficou selado nesse filme. Maravilhosa. Saí do cinema e comprei o livro - Mrs. Dalloway (em linda tradução do Mario Quintana) - na hora. Esse filme inspirou meu projeto de graduação, e muitas outras coisas na vida. E é seríssimo isso.

O Piano
O grito mudo da Holly Hunter é algo incrível e comovente. E a cena em que ele toca o tornozelo dela enquanto ela toca piano é das mais sutis e sensuais que conheço.
Preciso rever, estou perdendo os detalhes.

Assassinos por natureza
O filme que mais vezes revi, sei diálogos de cor, amo todas as músicas, e - putaquepariu - o que é aquele casal?

Henry e June
Porque eu queria ser a Anaïs Nin.

Amarcord
Meu primeiro - e definitivo - Fellini. O velhinho que se perde na névoa e se pergunta "será isso a morte?" nunca mais na vida eu esqueço.

O fabuloso destino de Amelie Poulain
Esse nem preciso comentar. Tenho a trilha - linda - aqui em casa. E acho que todo mundo tem um pouco de Amelie. E que bom.
E foi o primeiro filme que assisti quando voltei da Itália. Saí do cinema querendo vida nova e um amor.

Encontros e Desencontros
Esse é polêmico, tem gente que detesta. Mas esse filme é tão bonito, e tão delicado, e tão simples, e tão bom. Esse eu vou comprar em DVD, quando eu tiver um.

A liberdade é azul
Porque filmes com trilhas impressionantes ganham a minha militância. E não só por isso, óbvio.

Magnólia
Esse filme tem umas três horas e eu revi umas cinco vezes. Lembro de ter saído do cinema sem saber direito onde eu estava. Uma sensação de ter a alma estraçalhada. O Tom Cruise está genial. A Juliane Moore, sempre. Eu chorei muito quando ele encontra o pai depois de anos, eu me sentia ali, eu sabia, eu sabia muito bem. O final desse filme, não conheço nada mais inesperado, doido, violento, impressionante. Assim mesmo, todos esses adjetivos.

21 gramas
O roteiro é genial, os atores maravilhosos, e fez o chão da Rua da Praia desaparecer quando eu consegui me levantar da poltrona e sair pra rua, tentando sobreviver. Catártico.

Gritos e sussurros
Um Bergman pra finalizar. Aquela casa com paredes vermelhas como o inferno e aquelas mulheres me fizeram sufocar e paralizar por um dia quase inteiro. Pra quem gosta de cinema de ator, Bergman é o mestre.

E tá,
como Bergman é muito entidade pra finalizar, tem mais um:

Surpresas do coração
Porque sim, eu rio HORRORES e até choro no final.
E a Meg Ryan tem cara de ratinha, mas eu gosto dela.
E é o meu água-com-açúcar preferido. Todo mundo tem o seu, afinal.





25 de fevereiro

Eu hoje acordei bem cedo, sem sono, sem vontade de continuar sonhando meus sonhos intermináveis, e tomei chuva caminhando para o trabalho.
Eu hoje passei metade da manhã sozinha na sala, eu e a gata.
Eu hoje liguei para uma amiga que estava de aniversário.
E para outra que estava com a voz limpa e transparente. Alegre.
Eu hoje recebi uma carta falando de amizade.
Absolutamente inesperada, querida, linda, que vai me fazer sorrir por uma semana inteira.
Eu hoje recebi um email me falando de saudade. E das "pétalas guardadas que eu nunca te dei". Triste, tão triste e bonito, de um amor em mim adormecido e serenado como um dia sem vento, só brisa leve, muito leve.
Eu hoje voltei a ouvir a Edith Piaf.
E passeei pelos meus livros procurando um para começar.
Eu hoje falei com a minha melhor amiga e senti tanta vontade de abraçá-la por horas.
Eu hoje olhei para minha mãe e a achei bonita.
Eu hoje me senti tão acarinhada. Tão de verdade.
Eu hoje ouvi o gato ronronar. Deitei na cama e escrevi uma carta no teto.
Esperei o beija-flor.
Fiz planos.
Sonhei coisas.
Sorri.
E nem estranhei estar me sentindo assim,
sem as angústias todas,
e tão
feliz.



quarta-feira, fevereiro 23, 2005

Entra pela porta/janela - juro - um perfume maravilhoso de jasmim.
E nem me importa saber se ele existe ali fora, ou é somente vontade de poesia.


terça-feira, fevereiro 22, 2005

Amanhã.
Porque hoje tenho sono.


my dearest,

(Um textinho que agora, à noite, me parece tão piegas. Mas eu não vou deletar. Porque é assim, exatamente assim que eu sou.)
Um dia eu conseguirei descrever os desenhos todos que se formam entre os prédios, os rostos bonitos e estranhos que se desenham na calçada, as figuras surreais que eu vejo no tronco das árvores, especialmente as de plátano bem descascadas.
Um dia conseguirei escrever sobre o sonho que eu tive na infância com três luas enormes e animais imensos e outras tantas coisas que mesmo hoje, eu ainda consigo lembrar com detalhes.
Um dia conseguirei contar dos lugares lindos com que tenho sonhado. Do quanto tenho viajado, visto cachoeiras e tomado banhos de rio todas as noites.
Do quanto eu adoro os tapetes de flores que surgem na primavera.
Que eu choro horas ouvindo uma música bonita. E dias inteiros quando acaba um livro.
Que eu sonho com uma casa, uma varanda, um jardim e um jacarandá.
E um dia conseguirei contar, enfim, que o que me salva do escuro é simples assim:
Amor.
E deslumbramento.




segunda-feira, fevereiro 21, 2005

é o que falam por aí

Foi essa madrugada, às três da manhã.
O céu se coloriu de um laranja tão laranja que não cabia em si de tanta cor, e a lua foi ficando cada vez maior, redonda, linda, imensa.
(Alguém viu?)
E todas as janelas dos apartamentos foram se abrindo, e as pessoas foram saindo para a rua e dizem que teve até quem sorriu até amanhecer e não conseguiu dormir nunca mais.
E quando amanheceu enfim, e Alice acordou de um sonho em que tomava banho de rio, ela foi até a janela, abriu pra ver como estava o dia, e percebeu que tudo estava diferente. Tudo sorria. E se alaranjava.
Até mesmo ela.
Especialmente ela.





domingo, fevereiro 20, 2005

Ela X Ele na cidade sem fim

(De uma série que começa hoje. Espero que sejam muitas outras tantas e bonitas histórias por contar.
Como daquela música do Fito Paez do menino e da menina que "podem mais que o amor" e que eu tentava aprender a cantar ontem.
Um dia eu vou conseguir.
Sim?)

Tinha um menino triste com os olhos grudados no violão no exato momento em que ela caminhava sem rumo pelas ruas sonolentas de uma primavera sem fim.
Tinha um menino triste escrevendo palavras bonitas num caderno quando ela parou em frente a uma livraria qualquer decidida a comprar um livro novo.

(O que ele escrevia nesse caderno ela nunca poderia ler. Mas - contaram - eram lindas poesias com o nome dela.)

Tinha o menino triste de olhos tão escuros e bonitos, tão bonitos, a contar os passos pela rua esperando pelo que iria acontecer no momento seguinte. Ele sempre esperava que algo acontecesse. De vez em quando "abria a mão subitamente e deixava um passarinho voar".

Tinha ela, a escancarar portas e janelas para deixar que o sol - e o vento- pudessem novamente entrar, e ela saísse a desenhar flores pela calçada.

E teve o dia. O dia. Em que ela ia, a caminhar sem como; e ele também ia, a caminhar sem onde. E no meio de tudo, das flores na calçada, dos passarinhos voando, dos olhos baixos e das janelas escancaradas pelo vento, no meio de tudo isso, em frente a um casarão antigo, eles se viram. E se reconheceram. E se encontraram. E foi assim que.




Valsinha
(Chico Buarque/ Vinicius de Moraes)

Um dia ele chegou tão diferente do seu jeito de sempre chegar
Olhou-a de um jeito muito mais quente do que sempre costumava olhar
E não maldisse a vida tanto quanto era seu jeito de sempre falar
E nem deixou-a só num canto, pra seu grande espanto convidou-a pra dançar
E então ela se fez bonita como há muito tempo não queria ousar
Com seu vestido decotado cheirando a guardado de tanto esperar
Depois o dois deram-se os braços com há muito tempo não se usava dar
E cheios de ternura e graça foram para a praça e começaram a se abraçar
E ali dançaram tanta dança que a vizinhança toda despertou
E foi tanta felicidade que toda cidade enfim se iluminou
E foram tantos beijos loucos, tantos gritos roucos como não se ouvia mais
Que o mundo compreendeu
E o dia amanheceu
Em paz.



Porque essa é uma das músicas que mais me fazem chorar no mundo.
Porque o Chico entende o amor como ninguém mais.
Porque eu tenho escrito histórias de amor bonitas.
Porque eu volto aos poucos pra dentro de mim. E o que eu vejo é bom, bonito e tão calmo.
.
.
.
.
.
.
.
.
É sim.

avôhai

O Zé Ramalho tem a voz profunda como um abismo.
E hoje me pegou pela mão.
E eu fecho os olhos. E vou.
Eu sempre gostei de passear pela escuridão.



sábado, fevereiro 19, 2005

eu mereço?

Ser chamada de tia na rua?
E de senhora?
Aparecer feia como um pesadelo em foto de máquina alheia e não poder nem rasgar em trilhões de pedaços porque a foto é DIGITAL E NÃO É MINHA?!!!!!!!!
Descobrir que minha calça mais linda não serve mais porque eu estou GORDA?
Entrar numa lotação cujo motorista anda como se estivesse passeando pelo bosque e descobrir que o ar condicionado ESTRAGOU e TODAS as janelas estão FECHADAS porque lotação que tem ar condicionado tem que ter TODAS as janelas FECHADAS e tentar se abanar com o leque e o que vem é um ar quente quente quente e não ter coragem de descer porque na rua está PIOR porque esse verão é um INFERNO?
Chegar em casa, ir ao banheiro louca por um banho e descobrir que seu gato fez "necessidades" (pra não perder a elegância mesmo de mau-humor) em cima do TAPETE apenas alguns dias depois de ter inutilizado da mesma maneira sua revista BRAVO que RECÉM tinha chegado e você NEM tinha lido toda?
Estar a menos de um mês da formatura, não ter escolhido música, nem se animado a pensar em roupa, nem se animado a pensar em nada e avistar alguns meses maravilhosos de DESEMPREGO e pobreza pela frente?
Ter de aguentar ligação a cobrar à meia-noite e vozes melosas odiosas no telefone bem do seu lado?
Sair bem decidida do orkut e sentir SAUDADE?!!!
Não ter dinheiro nem ânimo nem vontade de sair pra dançar e sentir-se uma idosa por isso?
E, depois de tudo, ainda ter de ouvir da sua mãe apenas ela entra no quarto:
"Tá de mau humor, né?"
E sair rebolante pra comprar uvas.



E então eu olhei pro gato bem sentado no sofá e ele me disse:


Eu sou uma dinastia inteira de Barthinhos.


quarta-feira, fevereiro 16, 2005

acabo de descobrir

Começa às quatro e termina às cinco da tarde.
É hora de passarinho.


Porque eu tenho um milhão de coisas pra fazer mas eu quero, preciso dele.
E amo:


Um girassol se apropriou de Deus: foi em Van Gogh.
Senhor Manoel de Barros



(E não é mesmo? E eu já contei que estou escrevendo uma carta pra ele? Já tem três folhas. Espero encontrar o endereço dele. Espero que ele leia. Espero que ele viva até lá. O ruim dos velhinhos é que a gente não pode programar.)



terça-feira, fevereiro 15, 2005

saiba que

Eu tenho flores nas unhas.
Estrelas nos cabelos.
Um oceano inteiro dentro dos olhos.
E um coelho escondido na minha bolsa.


segunda-feira, fevereiro 14, 2005

Ouvindo vozes

Graças ao André (muuuuuuuuuuuito obrigada),
eu já posso dizer que ouvi a Sylvia Plath recitando seus próprios poemas.
Indescritível.
E meio assustador.
Quer?


(tem que se cadastrar, mas é claro. Tem também Elizabeth Bishop, Emily Dickinson e Marianne Moore, entre outras preciosidades. E eis que eu repito e proclamo a quem quiser ouvir: Como eu me orgulho de ser nerd!)




E vou dormir e acordar dizendo assim:
Que sim
Que sim
Que sim
Que sim
Que sim.


3 mandamentos da nova semana

Não chorar.
Não gritar.
Não deixar de sorrir.



sábado, fevereiro 12, 2005

enfim,

CHUVA

Sei que já estou repetitiva com esse tema,
mas quem mora nesse inferno de cidade sabe que esse som que vem agora da rua é música, linda e tão esperada.



sexta-feira, fevereiro 11, 2005

Tem madrugada alta ali fora.
Tem céu bonito, sem chover.
Tem silêncio no quarto, depois de Travis e Bob Dylan.
Tem silêncio e ventilador.
Silêncio de redoma.
Silêncio de aquário.
Silêncio de sonhos, de frases que dançam, de lembranças, as reais, as imaginadas.
Tem passeio na madrugada de Veneza, a cidade linda e melancólica.
Tem tarde de chuva, tem criança tomando banho de chuva na frente de casa.
Tem o que existe, e o que não existe. Tem tudo o que se pode inventar.
Tem o que é, e o que não mais.
Tem uma menina de tranças dançando pelo quarto com olhos escuros e curiosos de quem ainda não viu nada.
Ou de quem já viu tudo, e só sabe sorrir.
Tem uma noite em claro.
Em branco, como dizem os italianos.
Tem branco de papel.
E caneta.
E tantas,
tantas as palavras por desenhar.



Tem até tudo aquilo que eu não saberia dizer.
Ou que não precisa.
Não.



ocupado

E a gente se dá conta de que a vida acontece (e muda) é de um dia pro outro.
Continuemos, pois.



quinta-feira, fevereiro 10, 2005

dias intermináveis

Nunca vi tarde mais longa que essa em toda a minha vida.
Eu juro.



Eu sempre tive muito imenso inconfessável medo de parecer piegas.
Mas acabo de me descobrir.
O bom de blog é poder deletar.






Preciso decidir, até segunda, a música da minha formatura.
Como a situação vai ser: Gisa de toga, com cara de MUITA vergonha e "estou aqui por você, mamãe", a questão que agora urge é:
Escolho uma música séria?
Engraçada?
De chorar de tão melancólica?
Coloco a Nina em tal situação?
Ou uma tarantela?

E afinal,
cadê a chuva que estava aqui?




Eu tento, eu tento.
Mas eu não consigo escrever nada.







segunda-feira, fevereiro 07, 2005

eu nunca gostei dos carnavais

Minha mãe me fantasiava quando eu era criança e me levava aos bailes de carnaval do clube.
E eu ia, envergonhada, não cabendo em mim de tanta vontade de sair correndo.
Mas eu ia.
E dançava com as crianças e pulava mas sentia muita pena delas e de mim e de tudo porque achava aquilo tão triste. Mas olhava pra minha mãe de longe me observando e sorria e fingia me divertir muito. Nunca perguntei se ela acreditava.
(Quando eu digo que as angústias de infância são as maiores todo mundo acha que é exagero.
Não é.
A angústia mora na infância. E é de lá que ela surge, e é pra lá que ela volta. A diferença é que na infância ela ainda não tem nome.)
Até o dia em que eu cheguei, toda suada e cheia de purpurina na entrada do prédio, e vi o menino por quem eu era apaixonada.
Ele me olhou de uma maneira tão divertida e eu me senti tão envergonhada que eu saí correndo pelas escadas chorando chorando chorando muito.
Cheguei em casa tirando a roupa, correndo pro banho e dizendo aos berros que não queria aquilo nunca mais.
E assim foi.




Houve um momento grande, parado, sem nada dentro. Dilatou os olhos, esperou. Nada veio. Branco. Mas de repente num estremecimento deram corda no dia e tudo recomeçou a funcionar.


Clarice Lispector, Perto do coração selvagem.



E a porta fechou.
As portas fecharam-se.
Restou o quarto escuro, restou a música baixa, restaram os livros, as memórias, os sonhos.
Restaram os olhos marejados, a expressão espantada, a falta de estrelas no céu.
Ela então,
virou para o lado, fechou os olhos e dormiu.
O que viria depois,
era só silêncio.



sábado, fevereiro 05, 2005

Porque é carnaval e eu não sei o que fazer com os confetes.
Porque estou tão fraca mas isso ninguém precisa saber.



sexta-feira, fevereiro 04, 2005

"O que a gente precisa é tomar um banho de chuva."







quinta-feira, fevereiro 03, 2005

hoje

Eu estou triste, feia, sonolenta, opaca.
E são onze da manhã.
E eu às vezes sinto que deveria ter nascido no México.
Entende?







quarta-feira, fevereiro 02, 2005

Porque já nem sei o que é que ficou pra contar dessa história triste, absurda e inacreditável.
Tá,
chega.
Amanhã vou deletar tudo isso mesmo.



Eu não vou mais pedir desculpas.
Pra ninguém.
Eu nunca mais vou pedir desculpas de nada.



Que merda.



E eu ainda não entendi como isso tudo aconteceu e como tudo ficou assim e como eu estou sentindo essa dor que não cabe no mundo e do quanto eu te amo e sinto tua falta e sinto falta de conversar de te ver de te contar da minha vida mas eu não sei eu não aprendi eu não consigo lidar com o fato de que as pessoas sempre vão embora e que minha melhor amiga não está aqui e que agora me diz todas essas coisas e todas essas ofensas e eu nem sei ao certo do que me defender.
Porque eu ainda estou congelada com essa expressão de horror e é tão injusto sair sem se despedir de alguém sem dar chance de dizer as coisas que tem pra dizer e é tão fácil mostrar-se indignado, injustiçado e tão simples sair batendo portas mas o que ficou atrás dessa porta agora é algo que eu não sei se um dia vou conseguir remediar.
Eu queria mesmo é que esse dia nunca tivesse acontecido.


terça-feira, fevereiro 01, 2005

tema de casa

Para refletir:

Ser uma hipérbole, encaixada em todas as definições para tal.



das coisas mais lindas que já li

Porque esse texto é lindo e o Lirinha recitando é de arrepiar a alma inteira.
E eu o ouvi, da minha casa até o trabalho, umas mais de 30 vezes.
E é assim:


Joaquim:

O amor comeu meu nome, minha identidade, meu retrato. O amor comeu minha certidão de idade, minha genealogia, meu endereço. O amor comeu meus cartões de visita. O amor veio e comeu todos os papéis onde eu escrevera meu nome.

O amor comeu minhas roupas, meus lenços, minhas camisas. O amor comeu metros e metros de gravatas. O amor comeu a medida de meus ternos, o número de meus sapatos, o tamanho de meus chapéus. O amor comeu minha altura, meu peso, a cor de meus olhos e de meus cabelos.

O amor comeu meus remédios, minhas receitas médicas, minhas dietas. Comeu minhas aspirinas, minhas ondas-curtas, meus raios-X. Comeu meus testes mentais, meus exames de urina.

O amor comeu na estante todos os meus livros de poesia. Comeu em meus livros de prosa as citações em verso. Comeu no dicionário as palavras que poderiam se juntar em versos.

Faminto, o amor devorou os utensílios de meu uso: pente, navalha, escovas, tesouras de unhas, canivete. Faminto ainda, o amor devorou o uso de meus utensílios: meus banhos frios, a ópera cantada no banheiro, o aquecedor de água de fogo morto mas que parecia uma usina.

O amor comeu as frutas postas sobre a mesa. Bebeu a água dos copos e das quartinhas. Comeu o pão de propósito escondido. Bebeu as lágrimas dos olhos que, ninguém o sabia, estavam cheios de água.

O amor voltou para comer os papéis onde irrefletidamente eu tornara a escrever meu nome.

O amor roeu minha infância, de dedos sujos de tinta, cabelo caindo nos olhos, botinas nunca engraxadas. O amor roeu o menino esquivo, sempre nos cantos, e que riscava os livros, mordia o lápis, andava na rua chutando pedras. Roeu as conversas, junto à bomba de gasolina do largo, com os primos que tudo sabiam sobre passarinhos, sobre uma mulher, sobre marcas de automóvel.

O amor comeu meu Estado e minha cidade. Drenou a água morta dos mangues, aboliu a maré. Comeu os mangues crespos e de folhas duras, comeu o verde ácido das plantas de cana cobrindo os morros regulares, cortados pelas barreiras vermelhas, pelo trenzinho preto, pelas chaminés. Comeu o cheiro de cana cortada e o cheiro de maresia. Comeu até essas coisas de que eu desesperava por não saber falar delas em verso.

O amor comeu até os dias ainda não anunciados nas folhinhas. Comeu os minutos de adiantamento de meu relógio, os anos que as linhas de minha mão asseguravam. Comeu o futuro grande atleta, o futuro grande poeta. Comeu as futuras viagens em volta da terra, as futuras estantes em volta da sala.

O amor comeu minha paz e minha guerra. Meu dia e minha noite. Meu inverno e meu verão. Comeu meu silêncio, minha dor de cabeça, meu medo da morte.


Os Três Mal-Amados, João Cabral de Melo.