quarta-feira, junho 20, 2007

impulsos homicidas em dia de final de libertadores e meu vizinho de baixo grita rouco na janela desde a hora em que eu cheguei em casa. quando alguém fizer o primeiro gol ele baterá com a vassoura no teto, como se EU tivesse alguma culpa. hoje é o dia em que eu não conseguirei dormir e odiarei todas as pessoas do mundo com desejos diabólicos de estrangulamento. o prédio onde eu moro tem a maior concentração de velhinhos por metro quadrado do mundo inteiro. esses dias um deles enfartou. eu não tenho pena porque ele era histérico e dava tapas nas pessoas DO NADA, e tinha por hobby levar o cachorro pra fazer xixi nas escadas do prédio. parece nojento, e era mesmo. mas graças a deus ele enfartou, eu disse isso pra minha mãe e ela se escandalizou, que horror que horror que maldade ela disse. mas tá, chega, que eu só sou ranzinza assim em dia de jogo, sim? e meus hábitos suicidas diários são invisíveis pra quem os procure. eu não invento hipérboles, eu as vivo, e às vezes dói. mas eu falava do jogo.

sábado, junho 16, 2007

se se habita em mim

para habitar em mim há de se ter afeto aos ventos de outono e aos gatinhos, há de se entender os sorrisos e a impossibilidade deles. para habitar em mim basta trazer junto aos olhos um instante de amor, nenhum grito ao se anunciar, nenhuma porta escancarada na chegada, e a certeza adivinhada de que somam mais de uma centena todos os tons de um amarelo. para habitar em mim basta entender a boniteza da existência de um girassol único em meio a um varal de roupas brancas. quando se habita em mim, o que se tem em troca é somente a extensão inteira de um coração derramado em lilases, que aceita os delírios os silêncios e todos os vendavais. não sei se é o bastante, mas quando se habita em mim, torna-se eterno.

domingo, junho 10, 2007

chove em macondo

Chove sem parar desde ontem e os azulejos do banheiro escorrem água e tudo em casa se esparrama em umidade e eu não consigo deixar de pensar que todos os lugares do mundo podem ser Macondo, e são. A sensação de que nunca mais acabará essa água e que amanhã ao sair de casa todos os guarda-chuvas dançarão tangos e pessoas sairão escorrendo suas verdadeiras cores pelas ruas, e eu que sou violeta espalharei um rastro de lilases de um lado a outro da cidade encantada pelos trovões. Ali no armário dorme o vestido que ontem se preparara para ir a festa, eu que há muito não saio de casa pelas madrugadas preparava meus olhos para o escuro das luzes que piscam sim-não, mas os trovões me paralisaram por encantamento de sustos. Há tanto no mundo imenso a mim, e o vestido resignado se fecha atrás da porta, não verá tão cedo o azul escuro da noite, mas qualquer dia desses eu lhe mostrarei as estrelas. Não sei se a chuva, mas o amor quando visita meu quarto deixa silêncio e calmaria às marés. Tenho quatro livros na cabeceira para escrever um ensaio sobre o amor disfarçado de trabalho de literatura. [Gosto de olhar o céu a beleza o amor a partir do chão, assim tudo fica mais próximo de tocar.] Vi um filme esses dias que tinha por personagens um anão, uma mulher, um rapaz e os trilhos de um trem, e poucas coisas me tocaram tanto nos últimos tempos quanto esse filme sobre existências pálidas e tristezas silenciadas. Sábado aquele homem falava sobre a existência como uma busca desenfreada por uma baleia branca. Nunca alguém havia me definido tanto. E eu que nem contei pra ele que sim, eu já vi a baleia branca. Mas a busca por enquanto queda suspensa pela chuva.

quinta-feira, junho 07, 2007

dicionário temático de barthês

ou como aprender a ver o mundo pelos olhos do seu gato
(esse dicionário foi feito para facilitar a compreensão entre gatinhos e pessoas não muito entendedoras de gatinhos. Vale lembrar que tendo sido escrito pelo barth, ele próprio um gato, ninguém poderia ser mais indicado para falar sobre o assunto. E que claro, sendo ele próprio um gatinho, perdoem qualquer impropriedade, sei lá, gramática.
É assim:

nanar: afofar bem o paninho mais fofo que se tem em casa, bastante bastante, até os olhinhos fecharem de sono. para que a ação de nanar seja completa, é muito importante ronronar.
ronronar: é fazer som de motorzinho com o contentamento que sai do coração. também se usa de ronronar pra ganhar comidinhas boas e carinho debaixo do pescoço.
ronroninho: é o gatinho bem redondo que ronrona muito e muito alto. pra ser um ronroninho autêntico tem que ser gato bem gordinho, senão só vale pela metade.
gato-vaquinha: gatinho preto com bolinhas brancas. se for branco com bolinhas pretas não é gato-vaquinha, é petit poá, que nem uma bolsa da gisalim.
gisalim: o nome da minha mamãe. tá, ela gosta de ser chamada de mamãe, mas na verdade ela não é minha mamãe, mas não conta pra ela.
figudinho: é a coisa mais gostosa de comer do mundo todo. a gisalim faz assim e é bem legal: corta em cubinhos e cozinha 30 segundos no micro, quando apita é porque tá no ponto: meio cru e com caldinho. eu gosto de comer figudinho assim: puxo com a mão os pedacinhos e como direto do chão. a gisalim odeia o cheiro, mas tapa o nariz porque sabe que eu gosto tanto que rolo no chão de barriga pra cima.
barriga: não é bom quando afofam a barriga, eu mordo a mão. o bom de ter barriga é poder dormir com ela virada pra cima. também é bom pra fazer chantagem, quando ela tá bem descabelada é melhor ainda, ficar rolando pra ganhar figudinho.
tulipas: uma única vez teve tulipas lá em casa, e são muito deliciosas. a técnica é simples: é só esperar todo mundo dormir, subir no lugar onde elas estão escondidas e comer bem devagar, começando pelas pétalas que são a melhor parte. o problema é que a gisalim ficou tão furiosa, tão furiosa, que nunca mais tive notícia de tulipas na vida. será que elas existem ainda?
outono: é quando tem sol em cima da máquina de lavar roupa.
bigodes: descobrem de que lado nasce o sol, e medem a quantidade de ventinho. do verão eu só gosto mesmo quando bate bastante vento nos meus bigodes. também gosto de brincar de adivinhar quando vem a chuva. é assim: vou até a sacada, cheiro o vento pra direita e pra esquerda. se da esquerda vem cheiro de nuvem triste, é porque vai chover. se da direita vem cheiro de terra queimada de sol, é porque vem temporal. adoro temporal, sou muito corajoso e não tenho medo, a gisalim diz que eu sou mais bonito que chuva no sol.
frio: quem pensa que gatinho não sente frio só porque tem pêlos, pode não acreditar nisso porque é boato. eu sinto tanto frio, tanto frio, que durmo todo tapado com um casaco de lã e uma manta bem grande e quentinha. eu não tenho insônia e só acordo às seis da manhã, junto com a gisalim. depois que ela sai, eu como e volto a dormir bem tapadinho.
crianças: são perigosas, eu faço cara feia e imito leão para elas ficarem bem longe. uma vez um primo da gisalim cortou meus bigodes quando eu estava dormindo. passei meses e meses com labirintite e me batendo no escuro, nunca mais quero passar por isso.
moscas: funcionam por encantamento. é só olhar fixamente e miar bem baixinho as palavras mágicas que elas não se mexem. daí, é só pular e comer, ou jogar futebol com elas pela casa, para quem não gosta do gosto.
livros: são ótimos pra deitar em cima, principalmente quando ficam espalhados pela cama. a gisalim me prometeu que meu dicionário vai parar num tipo de livrinho chamado blog. espero que seja bem bom de deitar.